terça-feira, junho 28, 2011

Sobre anacronismo e hipocrisia

Quem é jovem nestas primeiras décadas do século XXI sabe: existe uma atenuada tendência por parte de indivíduos saudosistas em se criticar as novas gerações enquanto se exalta os magnificentes feitos do passado. Por intermédio desta perspectiva, a contemporaneidade é lamentável, os jovens são vazios e despolitizados, as artes estão sofrendo uma crise criativa e sucumbem completamente ao mercado, o jornalismo está desvirtuado pela demasiada efemeridade da informação, e a superficialidade reina num mundo cada vez mais fadado ao fracasso completo da intelectualidade humana. Tudo assim, em uma ótica profundamente radical e apocalíptica, de uma postura de inadaptação completa aos tempos modernos. Quem de nós, jovens ou não, nunca cruzamos com um argumento assim?

Compreensível pode até ser essa postura, pois não acredito que na história da humanidade passamos por mudanças tão profundas que envolvem um complexo de fatores em espaço tão limitado de tempo como as que acontecem desde o século XX. E essa geração que muito fez em nosso passado sofre inéditos choques culturais. Os meninos e meninas que no passado lutaram contra ditaduras, engajavam-se em movimentos sociais, viveram a efervescência do rock ou um dos melhores tempos do cinema, e tinham um forte interesse político, hoje têm de lidar com a atualidade branda, com outros valores, nova dinâmica de vida e enxergar os jovens atuais gostarem de um Restart, na música; ou Piratas do Caribe, no cinema; e nada de política, só redes sociais. Mas a realidade atual é realmente essa? Não existe uma simplificação excessiva? No calor do momento, há quem consiga enxergar com clareza a nossa atual circunstância sem sequer necessitar de um distanciamento histórico mínimo antes de um julgamento?

Já me deparei com pessoas assim, repletas dos seus discursos anacrônicos e generalistas, e o que me levou a escrever este post foi justamente o teor em geral cruel e acusatório das críticas a esta nova geração que, aos tracos e barrancos, sobrevive às transformações constantes e frenéticas. Falam dos jovens como se estes tivessem brotado da terra, já educados por seres inferiores do submundo, e dotados de uma genética defeituosa. Referem-se a contemporaneidade como se esta tivesse ocorrido por um acaso, de repente, como de um Big Bang ou de um estalar de dedos de um ser superior ao ordenar que haja as trevas. Para eles, o passado é tão glorioso que não deve ser relacionado com o presente infame, com esta Idade Média pós-moderna - muito menos em uma relação de causa e efeito. Nunca, isso é um absurdo! Os filhos da geração passada são o que são porque biologicamente falhos. Ninguém tem culpa senão o próprio jovem acerebrado que nasceu com massa encefálica a menos, e, por isso, deve ser condenado e relegado a críticas eternas - assim soa o arrogante discurso de quem critica radicalmente a juventude de hoje, discurso este que serve apenas para paralisar, evitar trabalhar as possibilidades desta geração, e expressar um sentimento que mais parece dor de cotovelo.

Vídeo: Simetria

Assisti a esse vídeo no blog Diário de Bordo, do Pablo Villaça. Achei o conceito muito interessante por criar uma espécie de split screen (divisão de tela), fixa na tela, no qual as imagens de ambos os lado constantemente se contrapõem, completam-se, igualam-se, opõe-se ou traçam uma relação de causa e efeito.



Symmetry from Everynone on Vimeo.

terça-feira, maio 03, 2011

Sobre a morte de Osama

É fato que toda essa caçada a Osama Bin Laden, que levou a sua morte, está intrinsecamente ligada à política belicista norte-americana e ao famoso slogan "guerra ao terror" que, em diversas ocasiões, não passou de desculpas para a busca de interesses próprios em terras estrangeiras. No entanto, há uma grande confusão: mesmo que haja distorções nos ideais políticos e militares dos EUA, e que o país tenha conquistado com isso a antipatia e xenofobia de boa parte do globo a respeito de sua prepotência e não raras violações de direitos internacionais, a operação que terminou na morte de Osama foi sim necessária e fundamental.

Há quem diga que assassinar o terrorista foi um erro, uma vingança que não compensará as perdas do 11 de setembro e de outros ataques. Outros chegam a dizer que os EUA mereceram os ataques terroristas e torcem o nariz para a conquista de Obama. Mas a questão fundamental é se seria certo esquecer todos os atos terroristas e deixar tudo como estar, não é justo combater um alucinado que atenta contra a democracia e que matou quase 3 mil pessoas em um único atentado? A letargia ou inércia diante de terroristas não seria um estímulo ou alimento a estes?

Mesmo que consideremos toda a história atual dos EUA, as suas constantes intervenções abusivas no cenário mundial, a manipulatória "guerra ao terror" e política do medo, e o conservadorismo religioso, ainda assim a caçada a Bin Laden é um ato correto e justo, como seria se fosse o caso de qualquer outro país - mesmo que por trás das ações do governo norte-americano haja outras intenções. Abominável e condenável é usar essas motivações afim de manipular a população, o que já fizeram os republicanos no governo Bush.  Erros a parte dos EUA, a luta contra o terrorismo e a busca por justiça tem de existir; caso contrário, o caminho ficará livre pra qualquer outro terrorista armar sua cena. Portanto, particularmente, criticar a morte de Bin Laden é estar apontando como um erro o fato errado.

Update: E dizer que Osama não morreu é tão especulatório e conspiratório quanto dizer que o homem nunca foi à Lua. Principalmente nos dias de hoje, em que documentos secretos são publicados quase todos os dias.

Update 2: Sabemos da quantidade de interesses que existem por parte dos EUA em guerras como a do Iraque e Afeganistão. Em suma, o que digo nesse texto é que a morte de Bin Laden é um fato positivo, mesmo que com pouquíssimo efeito; mas não necessariamente concordo com as posturas assumidas historicamente pelos EUA.

Update 3: A cada nova notícia sobre esse capítulo da História, percebo o quão complexa é essa questão. Sou a favor do combate ao terrorismo, todo e qualquer país deve luta e buscar por justiça. No entanto, a CIA revelou recentemente que Osama estava desarmado no momento da emboscada, que as informações que levaram o exército americano ao paradeiro do terrorista foram obtidas através de técnicas de torturas, e também que a soberania do Paquistão não fora respeitada. E se tem uma coisa perigosa, que pode gerar novos conflitos, ou pior, tornar esse mundo menos seguro, é o desrespeito às leis internacionais. Por outro lado, foi o Paquistão que saiu em maus lençóis nessa história toda.

Um terrorista morreu, mas as leis internacionais não foram respeitadas. Acho que não caminhamos muito!

sexta-feira, abril 08, 2011

A Chacina no Rio Não é uma Questão Sem Resposta


Não damos ainda a devida atenção à saúde mental. Falamos muito de ir ao médico, prevenir-se, cuidar da saúde física, mas muito pouco sobre a importância da saúde mental, da análise, do autoconhecimento, e de uma espiritualidade. E quando falo de espiritualidade não me refiro a religião, até porque considero as religiões, ao contrário da fé, um malefício a mente de qualquer pessoa. Trato aqui sobre o que para uns se chama evolução espiritual, e para outros, uma vida psíquica mais saudável. Para mim, saúde mental mesmo.

Em geral, a primeira vez que um indivíduo visita um psicólogo na vida é quando sofre algum problema de depressão, ansiedade e, em raros casos, na infância, quando de algum comportamento estranho. Saúde mental, na mente atrofiada de muitos indivíduos, é coisa para doido, drogados, traumatizados e desequilibrados. O senso comum e o preconceito ridículo que existe contra deficientes mentais, psicóticos e indivíduos viciados se estendem para além dos pacientes e atinge o próprio segmento da saúde, a psicologia e as instituições psiquiátricas, que geralmente são associadas aos casos mais graves de deficiência ou transtornos mentais. Seguindo essa linha de raciocínio comum, ligar saúde mental a loucura grave e irreversível seria o mesmo que achar que hospital é lugar de pessoas em fase terminal.

Há aquelas pessoas que nunca foram sequer a um psicólogo, a maioria. Estes nunca passaram por uma avaliação da mais básica, mesmo que em sua vida pessoal tenham sofrido as situações mais trágicas, tenham seqüelas que nem sabem que possuem, tenham sofrido pressões horríveis durante a vida, sejam acometidas por uma idéia preconceituosa ou fóbica. O primeiro empecilho é o difícil acesso ao serviço, pois tanto é caro como a população não tem condições financeiras de usufruí-lo. O segundo problema reside na falta de políticas públicas que aumentem a quantidade de serviços gratuitos ou públicos de boa qualidade. E por último, temos o preconceito e o senso comum que está mais atrelado ao medo e ao receio do indivíduo em se associar, mesmo que distantemente, a um doente mental do que a uma simples falta de informação.

Não existe uma educação que ensine qualquer pessoa a viver bem, mas existe o autoconhecimento, o aconselhamento, a prevenção, o desabafo, a superação, mecanismos que, pelos quais, podemos transcender questões que, na maioria das vezes, não conseguiríamos fazer sozinhos. Existem muitos potenciais psicopatas e sociopatas por aí, assim como existem psicóticos e neuróticos aos montes. De acordo com a psicanálise (e me corrija algum psicanalista, caso eu esteja errado), somos constituídos de uma dessas três estruturas: neuróticos, psicóticos e perversos. De pelo menos uma você não escapa.  Quando inconscientes de nossas próprias questões, somos todos uma bomba-relógio, seja para cometer uma simples e singela auto-sabotagem ou para entrar numa escola matando crianças. Isso, claro, considerando as idiossincrasias, o universo de cada pessoa e até as suas heranças genéticas.

Portanto, não acho essa tragédia ocorrida ontem no Rio um simples fato aleatório, uma questão sem resposta, um acontecimento sem explicação, como muitos pregam perplexos. O assassino teve uma história, é filho de uma mulher esquizofrênica, carregou essa herança genética e não possuía um acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Vinte e três anos é  um tempo mais que suficiente para se descobrir um caso de esquizofrenia previsível e mantê-lo sobre controle.

Penso que, assim como não temos a educação ambiental ainda como um eixo na nossa educação - o que é uma prova grandiosa da nossa falibilidade -, ainda somos ignorantes o suficiente para, óbvio, ignorarmos a necessidade de um acompanhamento psicológico a todo e qualquer cidadão. É uma questão de saúde! Isso não acabaria com os atos violentos contra o próximo ou contra si mesmo, mas diminuiria, e muito, esses casos, além de contribuir consideravelmente pra qualidade de vida. Mas entramos aqui em outra questão: como podemos ter uma tão comumente desprezada saúde mental se nem temos ainda um sistema de saúde que cuide razoavelmente ao menos do nosso bem mais valorizado, o corpo? Mas o intuito desse texto, acredito, concluí: o que ocorreu ontem no Rio de Janeiro tem sim uma resposta, e é a que a maioria não quer enxergar.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Toy Story 3

Toy Story 3 (EUA, 2010), escrito e dirigido por Lee Unkrich, com Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles, Michael Keaton, Wallace Shawn e Jodi Benson.

Eu tinha apenas onze anos quando assistir a Toy Story pela primeira vez. Foi a primeira grande animação feita inteiramente por computação gráfica e apresentando um mundo de forma tridimensional. Mas não era apenas esse caráter tecnológico do desenho que encantava as platéias e profissionais de cinema no mundo inteiro, essa animação tinha mais, possuía divertidos e marcantes personagens, um roteiro incrivelmente amarrado e sensível, ótimas tiradas cômicas, um visual fabuloso, e uma história que agradava das crianças aos avós destas. E foi a Pixar, com seu Toy Story, quem inaugurou o gênero Animação como o conhecemos hoje.

Se no primeiro filme da trilogia descobrimos que bonecos têm vida própria e são completamente dependentes do afeto de seus donos, a ponto de um novo boneco de uma criança se apresentar como uma ameaça para os veteranos desta, no segundo filme acompanhamos a angustiante descoberta desses personagens de que eles podem ser descartados por seus donos. Logo, em Toy Story 3, os brinquedos de Andy encaram a possibilidade de serem abandonados, já que seu dono cresceu e vai para a faculdade. Esse temor e sina são trabalhados de forma profunda e sensível na trama, através dos personagens Woody, Buzz e os outros brinquedos que já conhecemos.

Com o agora jovem Andy já prestes a entrar na faculdade, os brinquedos começam a se questionar sobre qual será o destino deles. Acidentalmente doados a uma creche, os personagens se encantam com a aparência do local e a perspectiva de que lá sempre serão úteis às crianças. Por saber que a doação não passou de um engano, Woody foge e tenta retornar para a casa de seu dono antes que este vá embora. Enquanto isso, Buzz Lightyear e os outros brinquedos de Andy descobrem a terrível realidade da creche, inclusive a de que eles não podem sair de lá.

O filme abre com uma cena divertidíssima em que vemos uma aventura dos brinquedos imaginada (e brincada) por Andy, quando este ainda era uma criança. A sequência serve como um eficaz contraponto a situação que se segue. Desejando chamar a atenção do seu dono, os brinquedos, liderados pelo "caubói" Woody, bolam um plano para que estes sejam vistos por Andy dentro de um baú em seu quarto, e assim, surja uma pequena possibilidade do jovem retomar o interesse em brincar. E claro que o plano não da certo.

Explorando o drama e os conflitos desses brinquedos diante da dúvida a cerca de seus destinos, o roteiro de John Lasseter, Andrew Stanton e Lee Unkrich é brilhante ao retratar a questão quase existencial desses personagens de forma incrivelmente delicada e sutil.
Logo, não deixa de ser comovente presenciar a situação de submissão deles a seu dono, que temem ser jogados no lixo por não serem mais úteis. Mesmo que esses brinquedos tenham como objetivo de vida servir a sua criança, buscar o próprio destino que não seja um lixão acaba se apresentando como uma possibilidade, e implicando em conflitos internos riquíssimos para esses personagens.

Enquanto Woody toma, na história, a posição de boneco fiel ao seu dono, Lotso assume o oposto, e ganha o posto de personagem mais ambíguo e complexo do filme. De aparência amigável e todo cor-de-rosa, o ursinho Lotso se revela, no decorrer da trama, um brinquedo cínico e manipulador capaz de tornar o ambiente da creche em uma prisão para todos os brinquedos de lá. Rivalizando diretamente com a comovente cena de Toy Story 2 em que a "cowgirl" Jessie relembra os momentos que teve com a sua dona, o sombrio flashback de Lotson explica as razões e os traumas que o tornaram em um urso de pelúcia cruel.

Repleto de cenas de ação empolgantes e muitíssimo bem elaboradas, Toy Story 3 assume um ritmo mais veloz de narrativa, intercalando cenas importantes e intimistas de desenvolvimento das personagens com sequências tensas e sombrias. Como é de praxe, a Pixar simplesmente arrasa nos detalhes da animação, desde os cenários complexos como a creche, passando pela variedade de brinquedos, até as expressões das personagens. A qualidade tecnológica da imagem possibilita efeitos mais convincentes e gráficos mais reais; além disso, a direção de Lee Unkrich fez um trabalho excepcional na concepção de muitas das cenas, utilizando marcas e características de gêneros cinematográficos nas composições, por exemplo, de momentos como aquele em que vemos por fora de uma máquina (de guloseimas) a sombra de personagens através da estrutura externa do objeto, semelhante àquelas cenas de filmes noir e de espionagem onde os bandidos estão reunidos em tono de uma mesa jogando baralho, banhados por uma luz que irrompe na escuridão do lugar. Dessa mesma forma, algumas sequências são tão lúgubres e tensas que mais parecem tiradas de um filme de terror, como aquela em que bebês brincam violentamente com os brinquedos novos da creche ou o momento em que dois personagens são perseguidos por um bebê de brinquedo.

Mesmo assim, Toy 3 consegue ser tão ou mais engraçado quanto os seus predecessores. Cenas como a da versão um tanto caliente do Buzz Lightyear, ou aquelas envolvendo a Barbie e o Ken, divertem e dão o alívio cômico necessário a trama. Também não deixam de ser divertidas as referêcias a elementos dos filmes anteriores, a exemplo, "O Garra". Da mesma forma, as referências a filmes foram inseridas de forma orgânica, até mesma a já batida alusão a Missão Impossível funcionou perfeitamente sem que soasse gratuita. Desenvolvendo uma tensão crescente, a última meia hora da animação dá conta de aprofundar os conflitos e a premissa até o limite, culminando em uma emocionante sucessão de eventos digna de um capítulo final de uma trilogia.

Por mais que Toy Story se trate de uma animação e que carregue, por isso, um aspecto de ludicidade e infantilidade, a série conseguiu em todos os três filmes desenvolver de forma eficiente o potencial dramático da premissa elaborada. Isso, aliás, tem se revelado como uma característica desse contemporâneo gênero cinematográfico, que, por ter seu humor acentuado, trabalha o drama dentro de uma sutileza inteligente. Toy Story 3, porém, não hesita em desenvolver ao máximo os aspectos sombrios e comoventes de sua própria história, enquanto consegue divertir e encantar. Teremos aí mais um clássico do cinema?

Cotação: Excelente

quarta-feira, outubro 13, 2010

Meu Puxadinho, Minha Vida

Não costumo postar sobre política no meu cantinho de cinema, mas esse blog acaba por refletir a realidade e o que se passa em minha mente. Impossível sair ileso das eleições, e o principal órgão lesado é o cérebro. A cada canção de campanha divulgada em carros de som, um agrupamento muito importante de neurônios são dizimados de nossas cabeças.

Mas estamos no segundo turno para a presidência do país, a propaganda é branda e repleta de melancolia. Dois lados, duas campanhas. De um lado, Dilmão, mulher de culhões, a quem boto fé, ao contrário de boa parte dos brasileiros que, de tantas eleições consecutivas, perderam parte da memória e lembram apenas do passado imediato de oito anos atrás. Antes disso, aparentemente nada mais. Do outro lado, Serrinha, homem de voz mansa, circunspecto, mas contraditoriamente um poço de rispidez e impaciência. Ele só fala de saúde, Lula e faz uma campanha que não tem muito a ver com os ideais de seu partido. Claro! Em tempos de crise econômica, revelar tendências neoliberais é cometer suicídio eleitoral partidário.

Mas foquemos mais ainda em Serra. Sua já famosa declaração mais que reveladora (da sua visão de mundo) feita no debate dos candidatos a presidente do segundo turno, na Band, mostra o quanto ele seria um bom presidente (dos ricos). Na dita declaração, Serra afirma que, enquanto Ministro do Planejamento, sua grande contribuição foi aumentar o crédito dos materiais de construção para que a população pudesse "construir seus puxadinhos", essa foi sua defesa contra a acusação de que era contra o programa Minha Casa, Minha Vida. É, isso é que é uma visão elitista e preconceituosa do mundo. Para o pobre, basta um puxadinho, apenas isso.

terça-feira, outubro 12, 2010

Minha História de Vendedor

Conseguir um emprego na área de Comunicação Social, em São Luís, não é fácil. É currículo pra cá, e é currículo pra lá, você faz verdadeiros passos de dança distribuindo esses documentos que pouco importam na cidade onde quem te indica é quem te atribui menor ou maior credibilidade. Constrangedor. Nesse tenta disso e tenta aquilo, já caí em armadilhas como reuniões de recrutamento de vendedores de Erba Life, mas também dei entrevistas e passei por alguns processos seletivos interessantes, sem muito sucesso.

Na minha última grande oportunidade, fui selecionado para trabalhar em uma multinacional misteriosa, onde eu seria vendedor em eventos e exposições de "obras" vindas de Londres e Madri, nas quais eu poderia ter alto rendimento financeiro. Fiquei empolgadíssimo. Imaginava-me estudando obras de artes plásticas e convencendo granfinos a comprar quadros maravilhosos produzidos por artistas renomados da Europa.

(Uma pausa para que você ria por dentro)

Na primeira reunião após eu ter sido selecionado, descubro que a empresa é a Barsa e que eu estava sendo contratado para vender livros e cursos de língua estrangeira. Tudo bem! O sonho se desfez, mas até gostei quando soube o valor da generosíssima comissão por produto. Seria uma oportunidade única de, de repente, iniciar um investimento financeiro que, num futuro, pudesse me possibilitar fazer os cursos que idealizo. Arrisquei na Barsa, hoje estou um vendedor. Quem diria! Não tenho vergonha desse trabalho, é algo provisório, que alguma coisa vai me ensinar. Não vendi nada ainda, mas já pude conversar com umas setenta pessoas dessa ilha. No meio dessa gente toda, em uma determinada agência de advocacia, num determinado prédio comercial, em um determinado bairro, cruzei com a pessoa que considero a mais pedante e mal educada com que já troquei palavras.

De nome feio e com pretensa internacionalidade, o homem, que devia ter seus 30 a 40 anos, respondeu à minha apresentação básica de representante da Barsa e ao meu anúncio do material de capacitação em língua estrangeira, com palavras desafiante, intimidadoras e pouco educadas, em tom de humilhação: "Aqui ninguém precisa de língua estrangeira. Eu sou formado em Oxford, morei anos na Inglaterra. Falo mais de 3 línguas e ainda ensinaria o teu professor de inglês a falar a língua direito".

Sabendo que o dever de um vendedor é o de vender benefícios, o que poderia eu oferecer a um homem tão bem instruído? Talvez um pouco de educação, mas isso a Barsa vende em produtos infantis. Surpreso, claro, coloquei no comando um certa personagem de vendedor, que venho desenvolvendo como forma de superar minha timidez e insegurança. Recordei-me, então, dos informativos cursos dados pela técnica e bem sucedida equipe paranaense de vendas. E assim respondi com entusiasmo: "Parabéns! Isso é muito bom! São de pessoas assim que nós, da Barsa, gostamos de atender". Mentira! Mas era exatamente o que eu deveria dizer. Outra opção seria a de sair bruscamente.

Para o espanto do homem de aparência marcial e impiedosa, reagi com completa naturalidade e segurança. Minhas congratulações ao seu magnífico repertório de conhecimento soaram quase verdadeiras até para mim mesmo. Desmantelado por constatar que a superioridade divina dos indivíduos formados em Oxford em nada me intimidara, o Gentleman em pessoa tentou se mostrar inacessível, afirmando que não havia tempo algum na agenda dele para que eu pudesse apresentar meu produtos, pois ele é "um homem muito ocupado". "Ok!", pensei!

Com o objetivo de conseguir um espaço para mostrar outros materiais a ele, revelei, então, que sou um representante da Barsa. "Barsa?! Já tive várias edições, elas eram muito boas. Mas hoje a Barsa está completamente desatualizada". "Não, senhor! A Barsa, hoje, está completamente reformulada. Além dos dezoito volumes em livros, ela possui ainda um DVD-Rom multimídia com todo o conteúdo da enciclopédia, fora o Portal na internet, atualizado semanalmente". Constatei, assim, um exemplo de ignorância e desinformação em um filho de Oxford na frente de suas companheiras, a recepcionista e a sua aparente namorada.

Já sem graça, o gentleman decidiu me atender (nem sei por que insisti), mas sob a condição de ser um horário marcado. "Tal dia, às oito horas em ponto. Te dou dez minutos para me convencer desses produtos. Tá bom, quinze!", ele me pressionou, agora menos cruelmente ."Ok, pode deixar, horário marcado. Até mais, Dr. Gentleman. E obrigado pela atenção!".

Não imaginava que existissem realmente pessoas assim tão crentes de sua superioridade em relação a outras pessoas. Pensava que esse tipo patológico de gente existisse apenas no cinema e na literatura mesmo, ele é quase um clichê. No entanto, é um grande paradoxo que ele tenha a necessidade de se exaltar dessa maneira; quem é, apenas é, e está seguro disso. Talvez ele seja, na verdade, mais frágil do que aparenta.

A minha aposta para o dia marcado? Ele vai comprar a Barsa Luxo, a mais cara, apenas para mostrar o seu poder de compra. Espero que tenha uma platéia na sala do Dr. Gentleman, assim ele vai querer fazer um espetáculo de exibicionismo maior.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Meu Gosto pelo Novo

Particularmente, acredito que se algo não está dando certo deve ser mudado. Acho que essa idéia, que sempre esteve presente na minha mente e fez de mim quem sou, é que, desde criança, fez com que eu não me identificasse com muitas coisas daqui, do Maranhão. Gosto de poder experimentar o novo, ir a lugares diferentes, comer algo que nunca havia experimentado, chocar os sentidos, inverter a realidade, avançar sem saber direito para onde ir. O Maranhão é um péssimo lugar pra se viver essas coisas.

A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, os mesmos jardins, tudo é igual, mas estou triste. Por que será?! Ouço constantemente o próprio maranhense dizer que vivermos em um lugar provinciano, mas essa mesma pessoa é cheia de idéias retardadas, posições anacrônicas, auto censuras, e satisfações pelo mesmo do mesmo. O novo não pode ser expectado porque não há parâmetros na cabeça de quem se enclausura nessa prisão da mesmice. Parece que ser maranhense é estar fadado a essa condição.

Um dia vou embora dessa terra onde tudo é igual. Como um internauta disse, "o Maranhão tem um grande passado pela frente". E de passado tenho horror, principalmente quando ele é ruim.

quarta-feira, setembro 29, 2010

Imagens do Exílio

Ao mesmo tempo em que o Brasil sofria com os traumas políticos do passado, o brasileiro sentia a decepção de sua primeira empreitada democrática ruir com o presidente Collor, e como consequência, sua auto-estima era cada vez mais afetada. O cinema nacional, intrinsecamente a esse contexto, se encontrava em uma profunda crise. Com a Embrafilmes fechada pelo então presidente, a quantidade de filmes produzidos por ano caiu a quase zero e projetos foram cancelados. O cinema nacional estava, assim como o país, completamente desacreditado em si próprio.

Refletindo a história que se escrevia, o cinema brasileiro veio a ter suas primeiras reações justamente com o impeachment de Collor e as primeiras políticas de Itamar Franco, continuadas no governo de FHC. Tem-se aí o início da Retomada. Quando os recursos da extinta Embrafilmes foram distribuídos, os projetos paralisados puderam ser retomados e os novos diretores, que só esperavam por fomento, tiveram espaço e oportunidade. Uma das primeiras produções - ou a primeira - a se destacar internacionalmente foi o filme Terra Estrangeira, de Walter Salles.

O filme tem início com o anúncio do confisco das poupanças dos brasileiros pelo governo de Collor, e segue mostrando personagens que, pela política vigente no país, se encontram completamente sem rumo. Paco (Fernando Alves Pinto) vai para Portugal após sua mãe ter morrido no momento em que soube dos confiscos das finanças dela. Lá, o personagem conhece e se envolve com Alex (Fernanda Torres), namorada de um traficante. Os dois brasileiros, sem perspectivas, flertam com o crime e não sabem qual rumo tomar. O filme deixa clara a sensação de desamparo dos personagens e trabalha, antes de tudo, as feridas do brasileiro daquela época, o luto e a descrença na própria nação, forçando o contato do telespectador com a realidade.

Todo em preto-e-branco, Terra Estrangeira nos apresenta ao Brasil da primeira metade dos anos 90 de forma melancólica, querendo falar do presente triste que abatia o país. Marcando por abordar personagens que não conseguem ver o futuro na própria nação, o filme de Salles mostra o retorno destes - que agora tinham a imagem da terra estrangeira como uma solução - à pátria mãe Portugal. Impedidos de voltar pelas reviravoltas da trama, a imagem mais marcante do filme é aquela em os dois protagonistas estão abraçados em uma praia com um navio encalhado à beira mar, impedido de retornar ao lugar de onde saíram. Essa foi a situação de muitos brasileiros como Paco e Alex, que não tinham mais perspectivas e esperanças no futuro do Brasil. Nas palavras do próprio Walter Salles, o que abatia o país naquela época era "não mais o exílio político dos anos da ditadura, mas um novo, econômico, que vem transformando o Brasil dos anos 90 num país de emigração, pela primeira vez em quinhentos anos".

Sou apaixonado por Terra Estrangeira. É um documento magnífico daquele período do Brasil, um filme que retrata com precisão a tristeza e falta de perspectiva do brasileiro já traumatizado da era Collor. A cena mais emblemática desse filme para mim é a final, ganhando até mesmo daquela do navio a beira mar. Embalada pela canção "Vapor Barato", de Gal Costa, a cena mostra o destino de Paco e Alex, que ainda tentam voltar para a nação deles, porém, mais cheios ainda de desesperança, perdidos e sem rumo. O momento final é perplexo quanto a realidade brasileira. Apesar de se passar em Portugual, o filme, ao meu ver, abre alí a Retomada do cinema nacional. Belíssima pela composição, a cena é pontuada por uma canção que faz jus a mensagem do filme e, incrivelmente, tem tudo a ver com a situação das personagens. Fiquei até a me questionar se aquilo que Gal canta, se a "minha grande, minha pequena, minha grande obsessão" fosse na realidade o Brasil. Fica aqui a questão.

Depois de uma grande indecisão, coloquei um vídeo da cena final de Terra Estrangeira. É um spoiler gravíssimo para quem nunca assistiu ao filme, mas vale a pena ser revisto por aqueles que já o assistiram.



sexta-feira, setembro 24, 2010

A Origem

Inception (EUA, 2010), escrito e dirigido por Christopher Nolan, com Leonardo DiCaprio, Ellen Page, Joseph Gordon-Levitt, Michael Caine, Ken Watanabe e Cillian Murphy.

Christopher Nolan é um cineasta que, em praticamente toda a sua trajetória, tentou fugir do básico, do simples e do convencional. A inversão ou experimentação em estruturas narrativas e o desenvolvimento ao extremo dos conceitos elaborados em cada filme comprovam a inquietação e as grandes intenções de um diretor que busca unir o entretenimento a um conteúdo cinematográfico de grande qualidade, e um produto industrial a idéias mais autorais, sempre tendo como ponto central a figura humana. Dessa vez, em A Origem, Nolan explora o fascinante e misterioso mundo dos sonhos, e consequentemente, do subconsciente humano, em uma trama inventiva e frenética, que evolui até o máximo e além daquilo que se espera para um único filme.

A frente de uma equipe de espiões industriais, Dom Cobb (DiCaprio) é um dos melhores no que faz, ele rouba segredos da mente das pessoas através de uma tecnologia que permite a invasão dos sonhos alheios. Uma vez dentro do sonho da vítima, a equipe tenta encontrar as informações secretas desejadas, ou então, a fim de manipulá-la, leva-a a ter outro sonho dentro do sonho no qual já se encontra, criando níveis diferentes capazes de confundi-la. Fugitivo da justiça americana, Cobb aceita a proposta do grande empresário Saito (Watanabe) de invadir os sonhos do herdeiro bilionário Robert Fisher (Murphy) da indústria concorrente para "instaurar" uma idéia, uma tarefa inédita e de extremo risco para a Cobb, seu parceiro Arthur (Gordon-Levitt) e o resto da equipe. Em troca, Cobb conquistaria a entrada livre nos EUA e reencontraria seus filhos.

Impressionando por transcender, em poucos minutos de filme, os próprios conceitos recém apresentados na trama sobre a capacidade de invadir sonhos e roubar idéias, Norlan faz questão de tornar a trama - em seu roteiro escrito de forma fenomenal - mais complexa através da inversão do principal objetivo da invasão. Invés de entrar na mente de alguém para adquirir as informações mais secretas, a equipe de Cobb passa a ser incumbida de implantar uma idéia na mente de Fisher. Esse tipo de inversão de lógica, que normalmente esperaria um segundo filme para ser explorada, torna a história infinitamente mais complexa, ao mesmo tempo em que possibilita um desenvolvimento muito mais profundo e criativo das idéias elaboradas por Norlan, assim como do modo de funcionamento do subconsciente em seu estado mais dominante. Imergindo no universo dos sonhos, Norlan cria leis para os sonhos em A Origem que não se difere muito dos nossos mais cotidianos "passeios" noturnos. Logo, fatos que ocorrem no exterior de quem sonha, e que podem ser captados pelos seus sentidos, são completamente capazes de interferir nos sonhos. Então, chove torrencialmente enquanto um personagem dorme com vontade de urinar ou sons externos são absorvidos, configurando-se como parte integrante daquela "realidade". Outra lei de igual fascínio reside na diferença temporal que existe entre o mundo real e um sonho, sendo cinco segundo no primeiro equivalente a um minuto no segundo. Um sono de dez horas, então, implica em uma semana para quem está dormindo. Se essas leis por si só tornam esse universo impressionante e cheio de possibilidades, quando inserido o conceito dos sonhos dentro de outros sonhos a história ganha complexidade, reviravoltas e um ritmo que exigem o máximo de atenção e concentração possíveis do espectador. E mesmo assim, Christopher Nolan não faz questão de se prender a explicações repetitivas, confiando na inteligência e perspicácia de seu público.

Retratando os cenários das imagens oníricas com relativa lucidez, o incrível design de produção parece fugir da tentadora possibilidade de construir cenários surrealistas ou irreais, comuns a obras que retratam os sonhos e inconsciente humano. Focando-se mais no processo de manipulação da equipe de Codd a Robert Fisher, Norlan evita devaneios e imagens confusas que possam complicar mais ainda a vida do espectador. É possível perceber, também, que a concepção dos cenários de cada um dos sonhos muito tem a ver com a subjetividade e experiências de vida de cada um. Em maior ou menor grau, isso pode ser percebido. A aparência dos sonhos arquitetados pela equipe de Cobb (isso mesmo, em cada sonho existe um arquiteto, e a esse, outros sonhadores podem ser "ligados") é diferente daquelas em que outros personagens são arquitetos.

Mesmo tendo que lidar com tamanha complexidade narrativa, o elenco de um modo geral faz um excelente trabalho. DiCaprio surge tão intenso como nas produções anteriores, e faz de Cobb um homem misterioso e complexo, quase que no limite de sua sanidade; a exemplo, a cena em que Cobb fica em dúvida se atira ou não em uma imagem de sua falecida esposa, fruto de uma projeção mental dele mesmo. A introdução de projeções da falecida esposa de Cobb logo no início do filme serve como as primeiras pistas para o misterioso passado do personagem, que vai sendo revelado em perfeita sincronia com a trama.

Mas é possível que o trabalho mais fenomenal desta produção esteja na montagem. Lee Smith teve o desafio de tornar clara a velocidade do tempo em cada um dos níveis de sonho, pois em cada sonho que os personagens se submetem, em cada nível mais profundo de sonho, o tempo passa de forma diferente do nível anterior (seguindo a escala que já citei aqui). O montador, portanto, tem completo êxito em sua montagem, pois todos os níveis de sonhos aparentaram ser dotados de uma sincronia particular graças a uma montagem inteligente e criativa. Assim, perto do clímax da ação, foi utilizado um slow motion no nível um de sonho, enquanto a urgência e caos cresciam gradativamente de nível para nível, até àquele que Cobb denomina como limbo.

Explorando ao máximo o universo criado, Christopher Nolan faz de A Origem um exemplar do gênero ficção científica, respeitando as regras estabelecidas e indo muito além do que o próprio espectador pode imagina, às últimas consequência. O desfecho, por mais confuso que seja, segue toda a lógica estabelecida desde o início e - espero que eu esteja errado - é possível que algumas pessoas acreditem ver incoerências.

Cotação: Excelente