quarta-feira, setembro 29, 2010

Imagens do Exílio

Ao mesmo tempo em que o Brasil sofria com os traumas políticos do passado, o brasileiro sentia a decepção de sua primeira empreitada democrática ruir com o presidente Collor, e como consequência, sua auto-estima era cada vez mais afetada. O cinema nacional, intrinsecamente a esse contexto, se encontrava em uma profunda crise. Com a Embrafilmes fechada pelo então presidente, a quantidade de filmes produzidos por ano caiu a quase zero e projetos foram cancelados. O cinema nacional estava, assim como o país, completamente desacreditado em si próprio.

Refletindo a história que se escrevia, o cinema brasileiro veio a ter suas primeiras reações justamente com o impeachment de Collor e as primeiras políticas de Itamar Franco, continuadas no governo de FHC. Tem-se aí o início da Retomada. Quando os recursos da extinta Embrafilmes foram distribuídos, os projetos paralisados puderam ser retomados e os novos diretores, que só esperavam por fomento, tiveram espaço e oportunidade. Uma das primeiras produções - ou a primeira - a se destacar internacionalmente foi o filme Terra Estrangeira, de Walter Salles.

O filme tem início com o anúncio do confisco das poupanças dos brasileiros pelo governo de Collor, e segue mostrando personagens que, pela política vigente no país, se encontram completamente sem rumo. Paco (Fernando Alves Pinto) vai para Portugal após sua mãe ter morrido no momento em que soube dos confiscos das finanças dela. Lá, o personagem conhece e se envolve com Alex (Fernanda Torres), namorada de um traficante. Os dois brasileiros, sem perspectivas, flertam com o crime e não sabem qual rumo tomar. O filme deixa clara a sensação de desamparo dos personagens e trabalha, antes de tudo, as feridas do brasileiro daquela época, o luto e a descrença na própria nação, forçando o contato do telespectador com a realidade.

Todo em preto-e-branco, Terra Estrangeira nos apresenta ao Brasil da primeira metade dos anos 90 de forma melancólica, querendo falar do presente triste que abatia o país. Marcando por abordar personagens que não conseguem ver o futuro na própria nação, o filme de Salles mostra o retorno destes - que agora tinham a imagem da terra estrangeira como uma solução - à pátria mãe Portugal. Impedidos de voltar pelas reviravoltas da trama, a imagem mais marcante do filme é aquela em os dois protagonistas estão abraçados em uma praia com um navio encalhado à beira mar, impedido de retornar ao lugar de onde saíram. Essa foi a situação de muitos brasileiros como Paco e Alex, que não tinham mais perspectivas e esperanças no futuro do Brasil. Nas palavras do próprio Walter Salles, o que abatia o país naquela época era "não mais o exílio político dos anos da ditadura, mas um novo, econômico, que vem transformando o Brasil dos anos 90 num país de emigração, pela primeira vez em quinhentos anos".

Sou apaixonado por Terra Estrangeira. É um documento magnífico daquele período do Brasil, um filme que retrata com precisão a tristeza e falta de perspectiva do brasileiro já traumatizado da era Collor. A cena mais emblemática desse filme para mim é a final, ganhando até mesmo daquela do navio a beira mar. Embalada pela canção "Vapor Barato", de Gal Costa, a cena mostra o destino de Paco e Alex, que ainda tentam voltar para a nação deles, porém, mais cheios ainda de desesperança, perdidos e sem rumo. O momento final é perplexo quanto a realidade brasileira. Apesar de se passar em Portugual, o filme, ao meu ver, abre alí a Retomada do cinema nacional. Belíssima pela composição, a cena é pontuada por uma canção que faz jus a mensagem do filme e, incrivelmente, tem tudo a ver com a situação das personagens. Fiquei até a me questionar se aquilo que Gal canta, se a "minha grande, minha pequena, minha grande obsessão" fosse na realidade o Brasil. Fica aqui a questão.

Depois de uma grande indecisão, coloquei um vídeo da cena final de Terra Estrangeira. É um spoiler gravíssimo para quem nunca assistiu ao filme, mas vale a pena ser revisto por aqueles que já o assistiram.



2 comentários:

Polyana Amorim disse...

ah, eu nunca vi esse. vou procurar. gostei dessa observação final sobre a relação da música do macalé com a própria mensagem do filme.
se tu pegares a letra todasd vais ver que descreve, de certa fomr,a a situação do desejo de voltar ao Brasil.
"estou tão cansado, mas não pra dizer que não preciso mais de você(...) talvez eu volte, um dia eu volto, quem sabe..."

já quero assisitir.

Rafael Carvalhêdo disse...

Aham! A relação é grande demais. Ou foi muita sorte de Salles ou a canção realmente tem algum significado relacionado. Nunca havia parado pra pensar.
Há boatos que dizem que foi Fernanda Torres que sugeriu a utilização de Vapor Barato nesse final do filme.
Ah, e não sabia que ela havia sido escrita por Macalé. Bacana!