
Os irmãos Michael e Peter Spierig possuem uma experiência cinematográfica relativamente pequena e pouquíssima expressiva, ambos dirigiram e escreveram apenas três filmes, entre eles, este
2019 - O Ano da Extinção, o primeiro a ter uma estrutura e repercussão de um filme A. Esta foi a primeira película que pude assistir da dupla e, à primeira impressão, pude constatar que se tratam de diretores que arriscam investir nas próprias inventividades e que são dotados de uma preciosa intenção, a de desenvolver seus personagens dentro das situações criadas. Infelizmente, eles ficam apenas na intenção e pouco conseguem fazer no desenrolar da história. Tratando de uma das criaturas mais famosas e fascinantes do cinema e da literatura, a dupla nos apresenta a vampiros que vivem em uma realidade completamente diferente daquelas já vistas em outras histórias.
Em 2019, após uma pandemia de um misterioso vírus, quase toda a população é composta por vampiros que passaram a viver de uma forma semelhante àquela dos humanos, mas ainda dependentes do sangue e sob extrema intolerância a raios ultravioletas. Praticamente dizimada, o resto da raça humana é caçada e seu sangue comercializado como alimento. Com a escassez cada vez maior do sangue humano, o governo decide criar um substituto do alimento dos vampiros. O cientista Edward Dalton (Hawke), um vampiro que não aceita a própria natureza e luta pela conservação da raça humana é um dos encarregados de projetar a substância, mas em meio a fracassos e ao caos da falta de sangue, ele acaba se juntando a um grupo de humanos que poderão ajudá-lo a salvar a humanidade.
Iniciando de forma promissora, a primeira cena de
2019 mostra uma vampira adolescente se suicidando por não conseguir aceitar as condições as quais vive, como a eterna aparência juvenil, devido a sua natureza vampiresca. O que pode parecer incoerente, na verdade, trabalha a complexidade de sentimentos existentes em um indivíduo que não morre e nem pode amadurecer. A imortalidade, geralmente tratada de forma positiva nas histórias de vampiros, logo na abertura é representada como uma

característica negativa através do ponto de vista de uma pessoa. Porém, o elemento inovador desta história de vampiros se trata da premissa em que estas criaturas substituíram os humanos em seu habitat, passando a caçá-los. Essa idéia, por si só, é atraente e cheia de possibilidades, o que já conta de forma positiva para o roteiro. Além disso, os irmão Spierig nos apresenta à curiosa adaptação dessa nova sociedade formada por vampiros, onde carros bloqueiam a luz solar, vias subterrâneas possibilita o trânsito de vampiros pelas cidades e o sangue humano é extraído como uma fonte não renovável prestes a acabar.
Explorar a natureza vampírica sob a ótica da não aceitação desse mal e da culpa, remete, de certa forma, a série
X-Men, em que mutantes tentam lidar com os próprios poderes especiais enquanto são discriminados socialmente. A diferença é que, enquanto a mutação é um dado natural em
X-Men, o vampirismo em
2019 é decorrente de uma infecção, o que nos faz traçar um paralelo imediato dos vampiros com doentes e do vampirismo como um sintoma. Dessa forma, é louvável a intenção dos diretores em retratar o conflito de alguns personagens com a natureza vampírica, como a auto repressão de Edward Dalton aos seus instintos vampiresco, que, evitando ingerir sangue humano e não se conformando com a dizimação da humanidade, não hesita em tentar se transformar novamente em humano quando se ver frente a essa possibilidade.
Coerente a realidade de uma civilização dominada por vampiros, o diretor de arte Bill Booth faz um bom trabalho ao usar arquiteturas e designers sofisticados e elegantes, sempre com tons escuros, luzes que variam do branco ao vermelho, refletindo bem as características desse famosos personagens. O mesmo pode ser percebido nos figurinos compostos quase que predominantemente por cores neutras, mas com uma estilização meio retrô, tentando remeter ao estilo mais tradicional dos vampiros. A fotografia, no entanto, é decepcionante pelo exagero nos tons de azul escuro, quando não, num sépia forçado em imagens que mostram a luz do dia, o que entrega a imaturidade do fotógrafo Ben Nott, que tenta criar uma atmosfera mais envolvente sem sucesso.
Evitando a artificialidade vista na maquiagem dos vampiros da saga
Crepúsculo, a equipe de maquiagem de
2019 se sai muito bem ao dar o tom branco pálido à pele dos atores, assim como dá a aparência realista e impressionante às criaturas chamadas de subespécies, uma evolução dos vampiros que sofrem abstinência de sangue humano. Os efeitos especiais, impressionantemente, cumprem muito bem o seu papel, desde o aspecto pastoso do sangue humano coagulado, até as sequências de ação, falhando apenas em alguns detalhes, como a aparência das pupilas dos vampiros que aparentam terem sido criadas digitalmente. As cenas de ação, como aquela em que uma subespécie invade a casa de Edward e ataca a ele e seu irmão, são eficientes e causam a tensão e impacto necessários aos espectador.

No entanto, as maiores falhas de
2019 residem no seu roteiro. Justamente por abordar uma proposta promissora, o roteiro deixa a muito a desejar por não desenvolver os conflitos possíveis. A relação de Edward e com o seu irmão Frankie - que gosta de ser vampiro - pouco acrescenta a trama, já que a diferença ideológica de ambos não serve nem para esclarecer os motivos que levam alguns indivíduos a gostar de ser vampiro (algo do qual ainda falarei). Já Charles Bromley (Niel), o homem a frente do laboratório de hematologia responsável por desenvolver o substituto do sangue, surge como um "vilão" bidimensional que, mesmo demonstrando se importar com a filha, não hesita em transformá-la em uma vampira contra a própria vontade dela. É mais um daqueles que parecem gostar muito de ser vampiro.
Ao contrário de
X-men, 2019 esquece de desenvolver os motivos que levam alguns vampiros gostarem de serem vampiros. Se na série dos mutantes vemos o orgulho que o vilão Magneto sente de seus poderes, tudo o que este sofreu e que o levou a se voltar contra a humanidade (Magneto acreditava que um novo holocausto aconteceria com os mutantes); em
2019, aqueles que se orgulham de ser vampiro têm sua postura fracamente justificada. Frankie, o irmão de Edward, dá uma justificativa pedestre de gostar de ser vampiro porque nunca conseguiu ser um bom humano, enquanto Charles Bromley parece não sentir o menos remorso de extinguir os últimos integrantes da humanidade, o que uma falha significativa, pois nas primeiras cenas do filme já fica estabelecida a proposta de vampiros com certos comportamentos e consciência humanas.
Interessante por estabelecer conceitos novos,
2019 - O Ano da Extinção decepciona por não respeitá-los e ao deixar escapar as diversas possibilidades de examinar o comportamento dessas criaturas fantásticas imersas em um contexto peculiar para elas.
Cotação: Regular