segunda-feira, setembro 20, 2010

2019 - O Ano da Extinção

Daybreaker (AUT/EUA, 2009), escrito e dirigido por Micheal Spierig e Peter Spierig, com Willen Dafoe, Ethan Hawke, Sam Niel e Claudia Karven.

Os irmãos Michael e Peter Spierig possuem uma experiência cinematográfica relativamente pequena e pouquíssima expressiva, ambos dirigiram e escreveram apenas três filmes, entre eles, este 2019 - O Ano da Extinção, o primeiro a ter uma estrutura e repercussão de um filme A. Esta foi a primeira película que pude assistir da dupla e, à primeira impressão, pude constatar que se tratam de diretores que arriscam investir nas próprias inventividades e que são dotados de uma preciosa intenção, a de desenvolver seus personagens dentro das situações criadas. Infelizmente, eles ficam apenas na intenção e pouco conseguem fazer no desenrolar da história. Tratando de uma das criaturas mais famosas e fascinantes do cinema e da literatura, a dupla nos apresenta a vampiros que vivem em uma realidade completamente diferente daquelas já vistas em outras histórias.

Em 2019, após uma pandemia de um misterioso vírus, quase toda a população é composta por vampiros que passaram a viver de uma forma semelhante àquela dos humanos, mas ainda dependentes do sangue e sob extrema intolerância a raios ultravioletas. Praticamente dizimada, o resto da raça humana é caçada e seu sangue comercializado como alimento. Com a escassez cada vez maior do sangue humano, o governo decide criar um substituto do alimento dos vampiros. O cientista Edward Dalton (Hawke), um vampiro que não aceita a própria natureza e luta pela conservação da raça humana é um dos encarregados de projetar a substância, mas em meio a fracassos e ao caos da falta de sangue, ele acaba se juntando a um grupo de humanos que poderão ajudá-lo a salvar a humanidade.

Iniciando de forma promissora, a primeira cena de 2019 mostra uma vampira adolescente se suicidando por não conseguir aceitar as condições as quais vive, como a eterna aparência juvenil, devido a sua natureza vampiresca. O que pode parecer incoerente, na verdade, trabalha a complexidade de sentimentos existentes em um indivíduo que não morre e nem pode amadurecer. A imortalidade, geralmente tratada de forma positiva nas histórias de vampiros, logo na abertura é representada como uma característica negativa através do ponto de vista de uma pessoa. Porém, o elemento inovador desta história de vampiros se trata da premissa em que estas criaturas substituíram os humanos em seu habitat, passando a caçá-los. Essa idéia, por si só, é atraente e cheia de possibilidades, o que já conta de forma positiva para o roteiro. Além disso, os irmão Spierig nos apresenta à curiosa adaptação dessa nova sociedade formada por vampiros, onde carros bloqueiam a luz solar, vias subterrâneas possibilita o trânsito de vampiros pelas cidades e o sangue humano é extraído como uma fonte não renovável prestes a acabar.

Explorar a natureza vampírica sob a ótica da não aceitação desse mal e da culpa, remete, de certa forma, a série X-Men, em que mutantes tentam lidar com os próprios poderes especiais enquanto são discriminados socialmente. A diferença é que, enquanto a mutação é um dado natural em X-Men, o vampirismo em 2019 é decorrente de uma infecção, o que nos faz traçar um paralelo imediato dos vampiros com doentes e do vampirismo como um sintoma. Dessa forma, é louvável a intenção dos diretores em retratar o conflito de alguns personagens com a natureza vampírica, como a auto repressão de Edward Dalton aos seus instintos vampiresco, que, evitando ingerir sangue humano e não se conformando com a dizimação da humanidade, não hesita em tentar se transformar novamente em humano quando se ver frente a essa possibilidade.

Coerente a realidade de uma civilização dominada por vampiros, o diretor de arte Bill Booth faz um bom trabalho ao usar arquiteturas e designers sofisticados e elegantes, sempre com tons escuros, luzes que variam do branco ao vermelho, refletindo bem as características desse famosos personagens. O mesmo pode ser percebido nos figurinos compostos quase que predominantemente por cores neutras, mas com uma estilização meio retrô, tentando remeter ao estilo mais tradicional dos vampiros. A fotografia, no entanto, é decepcionante pelo exagero nos tons de azul escuro, quando não, num sépia forçado em imagens que mostram a luz do dia, o que entrega a imaturidade do fotógrafo Ben Nott, que tenta criar uma atmosfera mais envolvente sem sucesso.

Evitando a artificialidade vista na maquiagem dos vampiros da saga Crepúsculo, a equipe de maquiagem de 2019 se sai muito bem ao dar o tom branco pálido à pele dos atores, assim como dá a aparência realista e impressionante às criaturas chamadas de subespécies, uma evolução dos vampiros que sofrem abstinência de sangue humano. Os efeitos especiais, impressionantemente, cumprem muito bem o seu papel, desde o aspecto pastoso do sangue humano coagulado, até as sequências de ação, falhando apenas em alguns detalhes, como a aparência das pupilas dos vampiros que aparentam terem sido criadas digitalmente. As cenas de ação, como aquela em que uma subespécie invade a casa de Edward e ataca a ele e seu irmão, são eficientes e causam a tensão e impacto necessários aos espectador.

No entanto, as maiores falhas de 2019 residem no seu roteiro. Justamente por abordar uma proposta promissora, o roteiro deixa a muito a desejar por não desenvolver os conflitos possíveis. A relação de Edward e com o seu irmão Frankie - que gosta de ser vampiro - pouco acrescenta a trama, já que a diferença ideológica de ambos não serve nem para esclarecer os motivos que levam alguns indivíduos a gostar de ser vampiro (algo do qual ainda falarei). Já Charles Bromley (Niel), o homem a frente do laboratório de hematologia responsável por desenvolver o substituto do sangue, surge como um "vilão" bidimensional que, mesmo demonstrando se importar com a filha, não hesita em transformá-la em uma vampira contra a própria vontade dela. É mais um daqueles que parecem gostar muito de ser vampiro.

Ao contrário de X-men, 2019 esquece de desenvolver os motivos que levam alguns vampiros gostarem de serem vampiros. Se na série dos mutantes vemos o orgulho que o vilão Magneto sente de seus poderes, tudo o que este sofreu e que o levou a se voltar contra a humanidade (Magneto acreditava que um novo holocausto aconteceria com os mutantes); em 2019, aqueles que se orgulham de ser vampiro têm sua postura fracamente justificada. Frankie, o irmão de Edward, dá uma justificativa pedestre de gostar de ser vampiro porque nunca conseguiu ser um bom humano, enquanto Charles Bromley parece não sentir o menos remorso de extinguir os últimos integrantes da humanidade, o que uma falha significativa, pois nas primeiras cenas do filme já fica estabelecida a proposta de vampiros com certos comportamentos e consciência humanas.

Interessante por estabelecer conceitos novos, 2019 - O Ano da Extinção decepciona por não respeitá-los e ao deixar escapar as diversas possibilidades de examinar o comportamento dessas criaturas fantásticas imersas em um contexto peculiar para elas.

Cotação: Regular

3 comentários:

Dani M. disse...

aê, demorou mas voltou com tudo. Um textão que requer dedicação pra chegar ao final. Fiz uma leitura dinâmica e pelo visto o filme é cheio de boas intenções não cumpridas. Eu que adoro as comédias românticas e os dramas só vejo filmes como esse quando pessoas de "gosto" da minha confiança dão bons créditos. Esse não passou no crivo, hehehe...
Pois é Caio, sempre qeu a gente começa um trabalho novo é bom pq dá um ânimo novo, uma vontde de fazer bem feito, aquela empolgação.
Tomara que dure.
bjus

Polyana Amorim disse...

Vou divagar um pouco aqui, Caio. não me leva a mal. hahaha.

eu acho interessante esses roteiristas e diretores mais modernos quererem transgredir o folclorismo que há em torno dos vampiros. Nesses últimos 3 anos, houve um enxurrada de produções, pra TV e pro cinema, sobre o tema, todos trazendo novas propostas à mitologia, mas mesmo essas novas propostas, de certa forma, são coerentes com o folclorismo clássico que existe.
O curioso em True blood, por exemplo, e o que me faz gostar da série, é que eles dão uma explicação plausível para desmistificar algumas lendas vampirescas, mas não abrindo mão de outras como a estaca de madeira, a intolerância ao sol, etc.
nesse filme, duas coisas foram bastante incoerentes, pra mim. Primeiro, se se trata de uma infecção que se alastrou na humanidade, eu acho meio sem lógica uma enfermidade tornar alguém imortal, pensando do ponto de vista científico. Pra que isso possa ser aceitável, deveria haver uma explicação, por mais breve que fosse, dizendo a origem dessa doença,se veio de algum animal, se foi desenvolvida por um cientista muito louco,de outro planeta ou coisa do tipo.
Outro aspecto estranho é que se foram pessoas normais viventes do ano corrente que foram transformadas em vampiros por conta de uma epidemia, não faz sentido elas se vestirem num estilo retrô, já que a própria vestimenta é usada (isso nos filmes clássicos) pelos vampiros antigões, aqueles que quase não aparecem na trama, são só uma penumbra num castelo assombroso. Os recém-criados acompanham a moda vigente. Vide Blade, Vampire diares, o próprio crepúsculo. E mais: mesmo os mais antigos, eles acompanham a evolução em todos os seus aspectos. não ficam aquém dos acontecimentos.
e aí volto mais uma vez pro racinocínio científico que não consegue conceber a idéia mirabolante de um vírus/bactéria poderosa que dá tanto imortalidade ao ser humano como também o faz regredir mentalmente a uma época na qual ele não viveu.
ficou meio esquisito isso, né não?

eu não questiono a fantasia mirabolante dos roteiristas que mexem com folclore, mitologia ou scifi, mas acredito que o poder de persuasão de toda história está no fato de ela ser convincente dentro de seu universo. Não pode deixar espaço pra esse tipo de questionamento.
E aí, eu me volto mais uma vez pra True blood que trabalha com diversos folclores (não só o vampiresco) e conseguiu costurar as evidências e encaixar os fatos, deixando a trama sem buracos.

Rafael Carvalhêdo disse...

Particularmente, gosto muito dessas novas propostas envolvendo a mitologia dos vampiros. Ainda não assisti a True Blood e nem Vampire Diares. Mas em relação a Crepúsculo, posso dizer, há uma perda das características básicas dos vampiros. A mitologia meio que foi esquecida nessa série, e como alguns dizem, Edward, de Crepúsculo, está mais para uma fada do que para um vampiro.

Em relação a 2019, eles consideram o vampirismo como uma doença porque ele é adiquirido através de um vírus e por ser contaminável através da mordida. Foi uma forma que os roteiristas encontraram de explicar os fatos, mas não me parece incoerente. Lembrei até de Madrugada dos Mortos.

Os figurinos possuem um traço retrô, mas são sofisticados e modernos. Na tela funcionou mais como uma homenagem mesmo. Os vampiros, ao contrário do que transparecu pra ti pelo o que eu disse no texto, são bem modernos, usam tecnologias e tal.

Mas, mesmo assim, o filme não é lá muita coisa. Apenas uma boa proposta mal aproveitada.

Adorei o comentariozão. Fica a dica das séries. Quero ver!