segunda-feira, abril 05, 2010

A Casa de Alice

Após o término da projeção de A Casa de Alice, a primeira coisa que pensei foi: "Como um filme que começa tão bem e equilibrado pode se perder no meio do caminho, mas ainda assim ter um desfeixo satisfatório?". Não foi preciso eu o rever muito em minha mente para descobrir o que me incomodou. A Casa de Alice é mais um filme que segue a vertente de alto realismo do cinema brasileiro atual, que procura antes de tudo nos convencer daquelas vidas e criar na tela uma realidade quase tão palpável como a nossa (dos brasileiros), dessa vez, de uma família brasileira de classe média, apostando na crueza da imagem, nos sons ambientes e em atuações tão naturais quanto o diálogo mais banal que uma familia possa ter.

Tudo começa com planos nos vários cômodos da casa de Alice. Vemos os quartos, sala, cozinha, banheiro, varanda, e o despertar das personagens que, nas próximas horas, teriam que conviver por mais um dia uns com os outros. Em seguida, somos apresentados a vida e intimidade de Alice (Carla Ribas), uma manicure que mora na periferia da cidade de São Paulo com a sua família. Aos poucos presenciamos os vários conflitos familiares, do casamento desgastado entre Alice e seu marido, passando pela difícil convivência entre os seus filhos, aos problemas de saúde da mãe desta.

Tratando com grande naturalidade a vida dessas pessoas, a direção é eficiente em manter os acontecimentos, por mais dramáticos que sejam, distante do melodrama, sem em momento nenhum tentar comover o público, deixando que a situação destes personagens o faça por si só. A ausência de trilha sonora é um dos elementos que compõem o caráter tão real e quase documental do filme, permitindo que apenas os sons da cidade de São Paulo que invadem o pequeno e simples apartamento de Alice preencham o ambiente desta família. São os sons da vida que, pela sua presença, causam as emoções na medida incerta, confusa e incapaz de conduzir, como a trilha, as sensações do público, sendo um dos elementos fundamentais que conduzem o espectador a ter, assim como a protagonista, uma idéia pouco clara e condensada da vida de Alice.

Outro elemento que contribui para essa construção é a câmera sempre ousada que pega os planos mais incomuns, ou tão comuns, indiscretos e nada convencionais da família, sem grandes truques, com apenas o suficiente para que entendamos as situações que ocorrem na casa, assim como em um documentário, ou mesmo em um documento de famila. Tendendo a nos mostrar um drama familiar focado mais no coletivo, como se a família fosse um grande personagem em conflito interno, as situações são abordadas com pretensa neutralidade, enquanto a câmera sempre exita em buscar uma aproximação das personagens ou o ponto de vista particular destes, com a excessão de Alice, que de todos, parece ter seu contra-plano mais próximo da lente.

Como uma estória voltado para tal objeto, somos levados a acompanhar em difícil rítmo cotidiano a vida dessas pessoas. Filmes desse gênero são, assim como a vida, de mais difícil condensação, presenciamos fatos repetidos, com poucas modificações e uma trama que difícil evolue por justamente estar centrada na inércia que é a vida destes personagens. Apenas pequenas e singelas tramas se desenvolvem, deixando claro que houve um antes e um depois, sem dar um caráter especial aos eventos, mas sim, enfocando aquele presente representativo daquelas pessoas.

A Casa de Alice falha, no entanto, ao tentar fazer do filme um experimento narrativo ousado em um roteiro já complexo, delicado e pontuado por fatos tão discretos e comuns. O diretor Chico Teixeira, juntamente com a edição de Vânia Debs, confundem o telespectador e pouco acrescentam ao filme com as suas reviralvoltas na estrutura narrativa. Em determinado momento do filme, avançamos perceptivelmente algum tempo da trama, com uma elipse que esconde alguns fatos que veremos somente mais para frente, quando essas cenas "puladas" são inseridas, constituíndo assim uma edição recortada. Se essa estrutura já se apresentava confusa em um filme que mostra o cotidiano das personagens, sem pontos de referência na trama, sem fatos que marquem e nos ajudem a ligar os pontos no final, mais difícil ainda se torna a organização dos eventos na cabeça do espectador quando situações ocorridas num tempo antes dos eventos aos quais o filme presencia são mostrados. Cenas que mais se tratam de um flashback e não mais de um recorte de edição.

Toda essa estrutura impossibilita o público de organizar alguma ordem para as cenas e para os fatos no pós-sessão, chegando a frustrar pela incapacidade de se compreender completamente a evolução das situações. No entanto, suponho que a intensão dessa edição seja a de tornar toda aquela estória em algo menos sintetizante e confortavelmente interpretativo para o público, assim como a personagem a respeito de sua própria vida, ao mesmo tempo que conduz cada vez mais a atenção do público para o significado em si das cenas. Porém, não é justo o sacríficio da compreensão da estória quando a última cena, por si só, causaria o impacto necessário capaz de confundir e inquietar o espectador a respeito da vida daqueles personagens. Um excesso de retórica. Confusões a parte, sejam elas úteis ou não, A Casa de Alice é um documento realista e angustiante daquela prostagonista e sua família.